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Desacontecer

DES-ACONTECIMENTOS

 Sobre o egoísmo pode-se dizer que se aprende aos poucos.

Não que se aprenda a ser egoísta, que isso já faz parte de ser.

Vai se aprendendo aos poucos que se é parte!

As escolhas que vamos fazendo no decorrer de nossa existência, tão pensadas, tão embasadas, tão lógicas, tão difíceis de acontecer porque tentamos evitar erros, acabam por ser egoístas porque são nossas. Nós escolhemos isso ou aquilo, nos satisfazemos, nos frustramos, nos arrependemos, voltaríamos atrás se fosse possível, mas elas vão nos ensinando, vamos passando as escolhas por uma lixa fina, vamos polindo até que se possa passar a mão e não sentir mais a rugosidade impulsiva. O caminho é mais ou menos como do rock (marte) à bossa nova (vênus/netuno). Começa a haver um relaxamento, uma serenidade no ouvido, o tom se ameniza. Nossas escolhas acabam nos conduzindo a não escolher, acabamos por aceitar naturalmente aquilo com que estamos envolvidos, a situação que estamos vivendo. É como se fosse necessária a luta (marte) até a escolha acontecer para que se possa des-acontecer. Ao desacontecer há um relaxamento...

Podemos ter decidido por algo e termos nos empenhado muito para que nada saísse errado, ou simplesmente podemos ter feito a escolha de evitar alguma situação. Ter premeditado que a situação seria de um determinado formato ou ter deduzido que alguém reagiria de uma determinada forma, ou ainda que a pessoa iria entender desse ou daquele jeito as nossas palavras. Novamente a luta das nossas escolhas. E então recebemos algum retorno completamente avesso àquilo que havíamos pensado...incrível!

Ou um retorno que, no fundo já sabíamos que iriamos receber, doído claro, severo a respeito da nossa própria presunção de ter decidido algo contrário ao fluxo natural das coisas. Esse tipo de retorno dói muito, é um contato com o Kíron interno, o dedo do xamã que nos perfura com sua sabedoria simples e profunda. Nosso egoísmo se contorce dentro da própria armadilha.

A escolha feita estava atrelada a velhas feridas, velhas formas de viver intoxicadas de medo egoísta e a mão do xamã apenas aponta o caminho novamente, os desvios já não tem mais sentido algum. Percebemos que a escolha tinha um componente separatista e esquizoide, que anda em círculos de repetição e dor. Quando recebemos o retorno firme e compassivo

compassivo (Netuno), podemos perceber que somos parte, que aquilo que desprezamos em nós mesmos egoistamente, que guardamos e não mostramos, impede o coletivo de receber algo que precisa para continuar desenvolvendo a consciência. 

Muitas vezes passamos por grandes lutas e dificuldades internas até escolher e decidir por uma atitude e não vemos o quanto essa decisão é egoísta mesmo. Pela nossa baixa autoestima, pelo nosso baixo amor próprio, pela nossa circunspecção e auto-referência, ficamos paralisados, sem trocar nada.

Podemos pensar que estamos direcionando nossa vida através de escolhas próprias, mas muitas vezes estamos decidindo contra o coletivo e a favor de nossos próprios medos, impedindo que muitos recebam algo que poderia ajudar e ser útil nas suas vidas. Mesmo assim o sofrimento que vem nos coloca novamente a caminhar, nos possibilita tomar consciência do nosso pertencimento, da nossa parte e então, se nos permitimos relaxar e aceitar nossa própria condição, crescemos. Aceitar nossa condição egoísta significa aceitar crescer e ir adiante, significa que existimos com todos.

Ao aceitar, nos des-acontecemos, criamos outra relação com o momento, com o macro e grande todo que passa a acontecer de outra forma. Quando aceitamos somos acolhidos pelo que é maior do que nós, mas que também nos contém, somos acolhidos por “todos nós mesmos”.  

A auto aceitação passa pelo egoísmo, pelas escolhas egóicas, pela atitude separatista não percebida. Não podemos guardar por muito tempo algo que sabemos e que é necessário ao coletivo, algo que possuímos, mas que não é nosso apenas. O conhecimento, as ideias e a própria sensibilidade que reside em nós não nos pertence integralmente. Seremos convidados a compartilhar, entregar, doar aquilo que aprendemos e vivenciamos no decorrer da existência. Quando percebemos isso, geralmente em acontecimentos fortes e tocantes, sentimos que somos pequenos, mas ao mesmo tempo nos tornamos grandes pela compreensão mais ampla que estamos vivenciando. O nosso egoísmo inicial pode transformar-se em aceitação e entrega sim, isso significa que crescem indivíduo e coletividade.

Reduzindo-se ao mero egoísmo o indivíduo fica paralisado e repetitivo, andando em círculos, completamente esgotado. Ao perceber e respeitar o retorno que vem de fora como sinal para ampliar a visão o indivíduo pode des-acontecer

suas verdades, os fatos criados pela sua maneira de ver, sentir e pensar.